quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Faces do olhar


Por Vitalina de Assis.










"Maturidade é ter a capacidade de viver em paz com o que não se pode mudar". (Autor desconhecido)

Talvez muito, desta suposta "maturidade" seja mera acomodação.  O "viver em paz", pode ser uma ferida já cauterizada pelo tempo e lida, um incômodo que  venceu-nos, um passe a régua, uma aderência que somou.  Sendo assim, escolho  o  que bem definiu Fausto Guedes, em seu poema: Amar ou odiar.


[...] A alma tem d’estar sobressaltada
P’ra o nosso barro se sentir viver.[...]
[...] E quem quiser a alma sossegada
Fuja do mundo e deixe-se morrer.[...]


Maturidade para mim está para ânsias, sobressaltos, expectativas. Um rejuvenescer de ideias e sentimentos quando tudo ao redor, parece ressequir. Não pode ser a maturidade um convite para um outono sem fim, um amarelar sem consequências.  Se secam  os sonhos de mudanças, hão de florir e frutificar fartamente na imaturidade da existência. Tudo é transitório e temporário e nada é exatamente o que parece ser. Por ângulos diversos  enxerga-se diferentemente o igual de todos os dias, o que na  realidade, igualdade alguma possui.


Há novidade debaixo do sol. O ar que agora enche  meus pulmões e que expiro em segundos, desconhecido é ao ar que inspiro. Isto é viver e viver é uma arte transitória. Quem considera possuir uma vida inteira para realizar seus projetos, pode perceber no meio ou no início de sua travessia que o tempo, nem sempre  parceiro, segue  a passos largos, impossível acompanhá-lo e, embora por um tempo finja mover-se  ante  nossas retinas, basta apenas uma curva e saiu de foco e o eu idealizador, saiu de cena. 

Viver em paz com o que, teoricamente, não se pode mudar, é viver o óbvio, é aceitar passivamente a intervenção que dói, enquanto fingimos não doer, sem contudo ignorar a dor. Dói. Uma dor anestesiada com ares de necessário e necessário, seria? Sentir, aceitar, abrigar intimamente, esconder? Seria  balançar na rede, que próxima ao chão, sequer imagina-se gangorra? Não sabe o que é sentir o  vento, lançar-se cada vez mais alto, imaginar voar. Na rede, levantar o olhar  é atentar para a superfície e observar suas saliências, cuidar para não cair. Enxerga-se o horizonte quem somente olha para o chão? Olhar e enxergar, olhar e apenas ver, maturidade da visão de quem aprendeu a discernir entre um e outro e, soube optar.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Percebendo-se.


Por Vitalina de Assis.


Viver e a nossa concepção de vida, é um exercício individual em meio a coletividade e  a medida em que a vida  nos ensina e vivenciamos este aprendizado, vamos mudando nossos conceitos, abrindo mão disto ou daquilo, apropriando de novos valores, mudando nossa conduta, pensamentos e sentir. O que era essencial torna-se muitas vezes supérfluo, e o que achávamos inalcançável, bate a nossa porta ... deixamos entrar, percebemos mudanças, somos a mudança.

É aquele exercício contínuo de tentar manter em ordem o nosso entorno, para que o nosso interior fique organizado também. Existem dias em que perco o foco na organização, vou largando uma coisa aqui, outra ali, relaxo. Fora de mim, observo este comportamento questionando-me... por que? Penso que pode ser a falta de alguém ou algo que me exija ordem, entretanto percebo ser isto, um estar alheia a mim mesma minimizando minha importância. Paro, centralizo-me e aí consigo me reorganizar. Este é um exercício diário, semanal, mensal, uma vida inteira. 

Inúmeras vezes deixamos de  mirar-nos nos espelhos do sentir, não damos ou exageramos a atenção a determinadas situações e isto, longe de  fazer-nos bem, coloca-nos a deriva de nós mesmos, perdemos o foco, ficamos desorientados e vamos sendo arrastados pela correnteza que impera e convenhamos, ninguém gosta de ser arrastado desta forma. Correntezas são um espetáculo a parte e algumas vezes, fatal. Melhor observar, deixar que siga seu curso permitindo que carregue nossas angústias, este sentir que tanto incomoda e que possui seu "time". Prolongá-lo em um abraço que já perdeu seu calor e propósito, diminui consideravelmente nossa energia. Daí a dificuldade em ordenar o que caótico está.

Viver também é ter. Ter tempo para si, ter tempo para se permitir, ter tempo para puxar as rédeas, ter tempo para mudar o rumo do que cansou o pensamento e viciou  princípios. Ter tempo para voltar atrás, não feito caranguejo que não sabe a que volta. Voltar, muitas vezes é um reiniciar ao contrário. Nada justifica o medo de recomeçar e dos escombros, talvez construir algo novo ou ainda, conjugar o desapego, sacudir a poeira, seguir sem culpa. Ter tempo para possuir coisas sem amontoá-las desatinadamente como degraus de uma escada, que não leva a lugar algum. Possuir não deveria ser um fim em si e embora, orgulhosamente caracterize propriedade, do que é mesmo, que somos "senhor"?

Louco! esta noite te pedirão a tua alma;
e o que tens preparado, para quem será?”

Nada levaremos deste mundo, a não ser o que conseguimos interiorizar e que melhorou-nos como pessoas. Por aqui, ficam as nossas vestes, nosso pó, nossa máscara.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Fantástico mundo de Bobby, ou seria o meu?







Há momentos em que a vida  coloca-nos literalmente contra a parede e aí, ou peitamos de frente ou continuamos vivendo os dias com uma insatisfação crescente. Em outros  e talvez  por este esteja aguardando a maioria, a vida  toma-nos pelas mãos e coloca-nos gentilmente em um novo caminho. Fato é que nada muda no nosso exterior que não tenha sido elaborado interiormente. Mudanças só ocorrem efetivamente de dentro para fora, nunca ao contrário. Podemos mudar o estilo, encenar uma mudança, modificar nossa entonação de voz, corte, cor de cabelo, mudar  nosso corpo de lugar como se muda uma mobília, entretanto bastará um click e a  nossa velha natureza ressurgirá faceira e desafiadora. Mudar é um processo trabalhoso, algumas vezes doloroso, contudo aprendemos (ignorar esta aprendizagem é um erro) que a leveza e um olhar otimista, são ferramentas poderosas para esta empreitada.

Lembra-se do dia em que aprendeu a dar cambalhotas? Bastava uma superfície mais lisa e macia e lá estávamos de joelhos, reclinando o pescoço e segundos depois, assentados arteiramente do outro lado. Semelhante alegria em estrelas executadas ou subindo feito aranha pelos batentes das portas, era pura magia. Um leve descuido do olhar controlador e nosso mundo cambalhotava estreladamente ou parecia flutuar. Crescemos e estas peripécias se mudam do nosso cotidiano infantil, a leveza ganha peso e  o olhar,  perde os ares de otimismo.  Então vem a  “vida”, com sua maneira individual e peculiar a conduzir-nos ao crescimento. Inventa seus momentos “dejavú” e logo estamos nós às voltas com tais peripécias, desta vez nada lúdicas, pois nossa infância de brincadeiras ficou pelos meandros que a vida nos inventou. Entrelinhas,  a vida enfatiza que a felicidade está inclusa nas cambalhotas e nas reviravoltas a que somos submetidos em dias atuais. Estão fundamentadas no bem estar da nossa alma e isto é o que realmente importa ou faz a diferença.

A leveza e olhar otimista asseguram um retorno saudável a memórias impregnadas de bons sentimentos e à certeza de que tudo que nos oprime, pode converter-se em ludicidades. Regressamos convictos de que cambalhotar, estrelar e flutuar são verbos a conjugar em qualquer fase ou circunstâncias de nossas vidas.

Quando a alma anda insatisfeita e o eu preocupadíssimo, já iniciou-se o processo: o descruzar dos braços, as mãos ansiosas para reter o novo e os pés principiando uma nova rota, tira-nos da mesmice que aprisiona. É hora de passear pelo “fantástico mundo de Bobby” ou melhor, reencontrar o nosso mundo lúdico e brincar com as circunstâncias. Você ainda se lembra de como se faz isto?

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Uma carta de amor para você, Vitalina.







Uma  carta de amor para você, Vitalina.


Vitalina,

quero dizer-lhe o quanto te amo e ainda que, em alguns momentos, se sinta exatamente como a personagem da "Maré", do NX Zero e se pergunte o tempo todo: "o que é que tô fazendo aqui"? E em dueto cante: "a vida que levo não é mesma que planejei quando era feliz". E daí??? Felicidade é algo muito subjetivo e seus momentos, fragmentos de um todo. E o "todo", é o que realmente importa. 

O "todo" é agridoce e tu sabes distinguir um sabor do outro e compreendes, que juntos, comportam a essência "viver", por isto devo parabenizá-la e admirar sua postura, embora algumas vezes, você não se mire com um olhar gentil. Somos tão propensos a uma ótica rígida no que tange à nossa pessoa, que precisamos dar um tempo e relaxar nossos nervos ópticos. 

Na terça ouvi um pastor dizer o seguinte: "Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas" (Mt. 7:12). É a Regra Áurea, regra de ouro do Cristianismo, a lei suprema da semeadura: o que plantamos, invariavelmente vamos colher. 

Mas desejo furtar esta regra áurea da visão "macro", de conjuntos de elementos interconectados, amplo e a relação entre eles, para a visão "micro", no sentido de elementar, único, particular, um olhar, me perdoem, meio egocêntrico. Se partirmos do pressuposto de que uma semente apenas, é capaz de produzir uma floresta, não avalio ser egocentrismo focar este olhar para nós mesmos. Se desejo realizar-me como pessoa, alcançar meus objetivos de forma a ser um canal abençoador não só para a minha família ou amigos, mas fazer uma diferença positiva em todos os níveis, devo portar-me com olhar, gestos e atitudes generosas primeiramente para comigo. Isto significa ser grata a Deus por ser quem realmente sou - possuidora de qualidades e defeitos, uma semente capaz de produzir uma floresta. "Amar o próximo como a si mesmo",(em âmbito mais limitado) deveria ser outra regra áurea, mas como amar o próximo, se não me amo, se não me admiro, se não exerço compaixão sobre  minha própria vida? Muitas vezes nos gerenciamos com um rigor tão acirrado, que a vida se torna um fardo pesado sobre nossos ombros e isto nos impede de maximizarmos nosso potencial e ficamos aquém,do que planejou Deus para as nossas vidas, ou ainda sequer esbarramos em nossas expectativas. Deixamos a vida e o mundo, com uma improdutividade doída. 

Hoje contaram-me que um pai de família de 70 anos, bem sucedido profissionalmente, suicidou-se em um dos cômodos de sua casa. Pergunto-lhes: Não havia este homem, em dias idos, matado sua própria vida? A consumação do suicídio nada mais é do que a constatação da severidade do olhar para si próprio. 

Tudo quanto quero que a Vitalina faça por mim, farei também à ela. Cuidarei com zelo de sua saúde física, cuidarei com amor de sua saúde emocional, cuidarei com bons pensamentos de seu bem estar mental. Tudo quanto quero: saúde, amor, bem estar mental e emocional, faço-lhe também, porque esta é a lei e os profetas. "Lei (do verbo latino ligare, que significa "aquilo que liga", ou legere, que significa "aquilo que se lê") O que ligo, ato a mim, é lei, a sentença a qual me submeto. O que falo, dito, a meu respeito, são palavras (profecias, enquanto profeta, somos todos profetas) a serem lidas, e sou eu quem as redijo (profetizo), confiro-lhes enredo (poder), um sentido. "Esta é a lei e os profetas". 

Procedendo com gentileza e amor para comigo, "eu", Vitalina,  retribuo na mesma medida. Assim, ao sair da visão micro para a visão macro, torno-me um instrumento (pessoa) capaz de operar mudanças interiores, sem as quais torna-se impossível mudar exteriormente. 




Momentâneos.


A qualquer momento faz parecer que posso ser surpreendida,
tocada,
beijada.
Ter cantinhos inimagináveis saltando de prazer e gozo,
mexe com minhas entranhas e desejos.
A qualquer momento pode ser um chamado,  
um venha agora,
quero ter-te,
possuir-te,
fazer-te...
  
A qualquer momento meus sentimentos e vontades
convergem para um ponto apenas, ou vários
  
toques
sentidos
variedade incontável de imagens
sons
ruídos.
A qualquer momento
menina
mulher completa
A qualquer momento aquieto-me
prazeres
em todo tempo
folgando perante ele
achando minhas delícias
encontrando-me
feliz.

Morte, não!





Dor que constrange
ao nada remete
entorpece min'alma
faz dormir meus sonhos e
me embala em noites frias,
intermináveis

Eu já sei que não quero ser morte
mas quero caçar a vida

Quisera ser dia minha noite
de raios límpidos iluminar recantos
expulsar o inespulsável
que “senhor”
ostenta título de propriedade

Eu já sei que não quero ser morte
mas quero caçar a vida

Quisera deste abraço
de longos braços
 livre ser e  prender.
        
Se possível fosse,
tão só não seria
contar estrelas
contar grãos de areia
e gozar na praia de sonhos poéticos

Eu já sei que não quero ser morte
mas quero caçar a vida

que,
se esconde
apenas brinca,
entre marés
que sobem e descem
recuam e avançam
impertinentes ondas,
idas e vindas do coração
alimentam minha dor.

Um roçar profundo e sincero.




Aquela mútua compreensão transcendia
um simples gesto, 
um roçar profundo e sincero
era capaz de afugentar  medos  e incertezas futuras.

Em silêncio falavam de dias por vir,
das brincadeiras, você joga e eu busco,
das confidências...  juro fazer segredo
se silencias, te ouço com a mente
do nosso  jeito,
um roçar profundo e sincero

Em silêncio falavam de fidelidade,
ninguém tocará em você
sua vida, com a minha defendo

Em silêncio falavam de cumplicidade,
se alegras, sorrio
se choras, te compreendo
se isolas,
vou junto, te olho, te vejo

Quando saires,
juro abanando em sorrisos
te receber feliz
uma alegria tamanha!
Satisfação crescente em rodopios suaves
feliz por te ver, feliz por te ter tão minha

Uma promessa? 
Precisa entre nós?

Não deixarei  que te magoem
Cuido de ti! Cuidas de mim!
Pequena criança,
gigante cão,
um roçar profundo e sincero
um amor sem igual.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Aprendi.




Tenho que deixar passar algumas tormentas para enfim abrir meu coração, sem que ouça a porta ranger. Rangidos incomodam quem, no silêncio da alma repousa e o silenciar-se, é unguento em dobradiças coronárias doloridas, inflamadas. "Deixo-te por hora, aquieta-te"! Aquieto. 

Busco outra saída, uma janela? (Janela é um mundo para quem deseja apenas observar.) Diante da impossibilidade de tamanho êxito, um recolhimento dará conta de tudo a seu tempo. Engana-se quem pensa que o tempo não se encarrega de colocar ele próprio, as coisas nos seus devidos lugares, porém maior engano pratica, quem pensa ser ele, um milagroso remédio para todos os males. Descobri na forçada quietude e em lágrimas não contidas, o bálsamo a libertar angústias como se libertam espontaneamente a seu tempo, borboletas do casulo. 

A angústia pode ser bela e colorida entre flores opacas, em campos inférteis, semeadora de sonhos. Há de se aprender confiança como se aprende a tolerar os rangidos, (podem até soar musicais para ouvidos treinados) como se aprende a forçar a porta, (sem contudo arrombá-la) como se aprende a sair pela janela e ganhar o mundo - universo de tudo que sou fisicamente, totalidade do espaço no qual ouso expandir e no tempo que gerencio.

Aprendo! Aprendo que todas as coisas possuem dimensão e limite, todas as coisas são mutáveis e agentes de transformação. Algumas impostas e tão suscetíveis a um não, que ficamos paralisados ante a possibilidade  de causar-lhes "certo desconforto" com a nossa resistência, então, passivamente aceitamos suas imposições. Ficamos à mercê esperando que dimensão e limite cansados, afrouxem o domínio por si só e no afrouxamento do rigor, nos fortaleça na pacífica ilusão de que foi nosso, o basta decisivo.

Pouco importa na verdade isto ou aquilo, meu ou do outro, quando nos sentimos livres, (porque quem ou o que nos aprisiona, não o fará para a vida toda) abrem-se as grades, soltam-se as algemas em um dia qualquer. De repente nos damos conta de que aquela angústia tornou-se bela e colorida, borboleta semeadora de sonhos, e os campos, cultivados, já dão sinais de que a vida brota entre pedras, espinhos, areia, terra e mar. Tão infalível como a noite precede o dia, todas as coisas acomodam-se nos lugares devidos, tudo a seu tempo. Ainda que minha ótica visualize um tempo sem horas, sem minutos, sem segundos, sabe bem o tempo, o tempo certo.

A vida acaricia com movimentos suaves minha existência, seu afago em minha pele e dedos, que por minha nuca buscam meus cabelos, proporcionam a dimensão exata da importância do meu ser e denunciam que basta apenas um toque para aclarar, todo sentido que não compreendo. Tocou-me! Tal toque concedeu-me perícia para conquistar outros níveis e agora em uma fase onde impera a tranquilidade, notas musicais ouço ao abrir as portas. Ranger...não mais, não por hora.  Compreendo que se mudam os sentidos , muda-se a trajetória e o destino... outro... diviso. 

Aprendi!

Completamente.




O tempo passando
A saudade insistindo em  ficar
A vida seguindo
o seu caminho encurta dia a dia

A doce esperança do não vivido
Forte alimenta
Enfraqueço

Na fraqueza busco a força
Sem encontrá-la definho no sonho,
Na esperança de um dia ter-te
Seria ousado de minha parte querer-te tanto?

Faltou o encaixe final, permaneça o óbvio
Sou tão sua!
Toda sua!
Completamente nua!

Tão?

Não serei assim de mais ninguém.

Desmemória.



Seu nome
não mais ecoa em meus sentidos
como sussurro inaudível
sinto apenas uma brisa
que insiste em acalentar um sonho
que se perdeu em um amanhecer tardio
porém certeiro ao anunciar um novo dia

Seu nome
agora miragens mortais sem a foice da morte
não mais ceifa meus sonhos
sequer pode mirá-los em sombria noite

Do seu nome
restou apenas uma lembrança que a minha alma lavou
o que a alma assim lava
o tempo trata de secar no esquecimento

Seu nome?
Sequer esqueci na memória.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Ser.


Por vitalina de Assis.



Não é o pensamento que anda disperso em asas incansáveis.
É o ser, que deseja diluir, escapar pela pele, volatizar ao ar,
entretanto, tal ser é uma angústia que dilacera o peito, desconforta a alma, turba o olhar como se o próprio desejasse nada enxergar daquilo que aos olhos salta, e embora fira internamente as paredes do corpo, é no coração  que faz sentir-se como o sol que faz secar e estalar, mas que não cumpre, neste órgão pulsante,  seu primário dever. 

Desejo diluir,
escorrer liquidamente
transparente,
invisível.
Imperceptível, assim me sinto.

Sentir-se desta forma é um desconforto que possui mãos e braços, apropria e abraça. Desta servidão e deste abraço abriria mão, se, em outros braços e abraço diluir pudesse este ser hospedeiro que não sou eu, mas que finge ser. E eu, sem fingir,  sou tudo isto que desejo exorcizar em uma escrita aleatória que possui ânsias de visibilidade na mesma proporção da imperceptividade, que não escorre liquidamente,
transparente,
invisível.
Imperceptível expande no peito que se por hora não explode, pode implodir com tudo que sou.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Vá!






Poderia ter acontecido com Paulo...
Poderia ter acontecido com Maria...
Poderia ter acontecido comigo...
Poderia até ter acontecido com você...
Acontece,  neste exato momento com cada um de nós?

Lázaro estivera morto por quatro dias, a "impossibilidade cadáver em pessoa" de voltar a viver, enxergar, sorrir, ser feliz e uma impossibilidade ainda maior de, uma vez "livre", poder decidir seu caminho. Lázaro morto representa muitos de nós que vivemos uma vida inteira com pés e mãos enfaixados com tiras de pano, tal qual o elefante preso por uma fina corda, vivendo a falsa impressão de que um cabo de aço, o acorrenta. A cabeça enrolada com um pano, como se um fino tecido pudesse aprisionar os sonhos que geramos nos pensamentos. Não pode!

"E o morto saiu. Os seus pés e as suas mãos estavam enfaixados com tiras de pano, e o seu rosto estava encoberto por um tecido. Então Jesus disse: - Desenrolem as faixas e deixem que ele vá”. Em outras palavras, Jesus ordenou: Deixai-o ir libertado. Libertado do quê? Da morte que o degustou por quatro dias? Da morte que sepultou seus sonhos e desejos de liberdade? Da morte que impôs sobre ele,  limitações intransponíveis? Até onde vai de fato o poder da morte?

A morte física sepulta nossa "casa temporária", devora nossa "casa" que ao pó, retorna. Um retorno inevitável, aliás, a única certeza que possuímos de fato, cedo ou tarde demais ela vem para todos. Mas, o que dizer da morte a qual nos sujeitamos diariamente, como se fosse o caminho mais seguro a ser trilhado? Voltamos constantemente o olhar ao passado, passeamos por suas ruelas como se fosse possível refazer alguns caminhos, omitir algumas atitudes, recriar o "in criável". Regressamos ao pretérito, para uma nova conjugação? Jamais! Não nos foi dado tamanho poder ou loucura, mas insistimos no "ontem", negligenciamos o agora e não damos crédito para as novas possibilidades que não estão congeladas em um futuro incerto, mas estão vivas e aquecidas no hoje, são as tiras de pano e o tecido enrolado na cabeça a encobrir o rosto que já foram retiradas: "Deixem que ele vá, deixai-o ir libertado". Não em liberdade, pois liberdade não é sinônimo de libertado, liberdade, qualquer um pode exercer ou desejar em menor ou maior intensidade, agora, estar libertado,  é uma condição e não apenas mero desejo.

Liberdade é uma chama que, se protegida do vento que assopra fingindo aliviar e curar como uma mantra hipnótico, à salvo do pano faixas, camisa de força a prender em cavernas mentais  sepulturas , tornar-se-á uma ação imperativa: Vá libertado!